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Crise dos chips continua a abalar automóvel

A crise dos chips ainda não tinha sido superada mas com a invasão russa na Ucrânia pode piorar. Responsáveis do setor automóvel falam das consequências e da importância destes países.

Os alarmes já tinham soado na indústria automóvel, mas agora o alerta ganha novos contornos com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia. A crise de semicondutores tem deixado os fabricantes à beira de um ataque de nervos: não há material para produzir os carros, o que leva a uma crise nas vendas. Ao que o Nascer do SOL apurou, há quem espere mais de seis meses por um veículo novo e como não são entregues carros para a troca também o mercado de segunda mão sai afetado. Também os carros de serviço não existem.

Uma preocupação partilhada ao nosso jornal pela Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel (AFIA). «A crise dos semicondutores continua a afetar os produtores de componentes para automóveis. O conflito Rússia / Ucrânia está a agravar ainda mais esta situação de escassez de semicondutores e falhas nas cadeias de abastecimento, o que têm provocado paragens temporárias nas fábricas dos construtores de automóveis. E se as fábricas de automóveis estão a parar a sua produção, as empresas da indústria de componentes são obrigadas a reduzir o seu ritmo de trabalho».

Uma garantia que já tinha sido dada por Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP. «As linhas de produção, muitas delas, ficaram paradas por causa da crise dos semicondutores. Não conseguem corresponder ao que é o normal fluxo de fornecimento da cadeia de produção devido à falta de chips e isso prejudica todo o canal de produção, já que estamos muito dependentes da Ásia. Precisamos de contar ainda com as dificuldades de transporte. O transporte marítimo é hoje muito diferente do que era antes da pandemia. Há um aumento exponencial dos custos de transporte porque há menos oferta e isso contribui para esta dificuldade de trazer os componentes que são necessários para o fabrico dos automóveis», admitiu ao Nascer do SOL.

O mesmo discurso é repetido pela Associação Nacional do Ramo Automóvel (ARAN). «A crise dos chips obrigou o setor automóvel a retrair a produção, com os fabricantes a reduzirem para perto de metade o número de carros que previam produzir», chegou a referir ao nosso jornal, lembrando que esta componente é crucial «para colocar em funcionamento todo o tipo de sistemas, que permitem a execução da parte operacional dos automóveis».

E qual o ‘perigo’ acrescido? Atualmente, os chips são tão essenciais na produção de carros quanto o aço, o alumínio e o plástico. E a ‘bomba’ está criada: face a estas falhas é expectável que os custos de produção aumentem com impacto no produto final. Isto significa que o preço para o consumidor final tenderá a aumentar.

Guerra muda panorama

Uma coisa é certa: se se esperava que o problema dos chips começasse a entrar em fase de resolução este ano, essa ideia pode ter caído por terra. «Antes da eclosão do conflito na Europa, a previsão global era a de que a escassez de chips e semicondutores regressasse aos valores pré-pandemia dentro de dois ou três anos. No entanto, o contexto recente veio mudar bastante o panorama e, neste momento, acreditamos que venha a demorar mais», confessa ao nosso jornal, Pedro Silva, diretor geral OPCO.

O responsável acrescenta que o facto de ter existido um «aumento significativo» no preço dos combustíveis «também contribui para a situação preocupante que se vive: toda a logística e transporte das novas unidades fica condicionada». E lembra os muitos desafios que os clientes da empresa enfrentam: «Se antes os fornecedores e subfornecedores tinham uma oferta maior, atualmente têm de fazer uma gestão muito mais cuidada no que diz respeito à venda e cedência dos seus materiais», lamenta, lembrando que a Ucrânia «é detentora de grande parte da indústria de mão-de-obra intensiva e é um dos maiores produtores mundiais de matérias-primas (fornece 90% do néon necessário à gravação a laser dos semicondutores), o que abala ainda mais a recuperação desejada».

Assim sendo, não há perspetivas para o fim desta crise. Por isso, o responsável defende ser importante «pensar em alternativas que passem pela independência em relação aos grandes produtores e, além disso, pela atuação com o intuito de acelerar a transição energética, de que há tanto tempo se fala. Estas, contudo, não serão certamente soluções a curto ou mesmo médio prazo».

E, claro, Portugal não foge a este problema «na medida em que a indústria portuguesa exporta grande parte dos componentes e a quase totalidade dos veículos que ajuda a construir e a desenvolver», defende Pedro Silva.

Os impactos, defende, acontecerão por fases. Numa primeira fase, o impacto do aumento de preço de matérias-primas, «o qual pode não ser refletido no preço de venda». Depois vem o impacto a nível de transporte e logística, com o aumento do preço dos combustíveis, «aumento esse não apenas a nível de transporte mas também a nível de energia para alimentar toda a operação». E acrescenta: «Se ambas as parcelas sobem, todos os custos de produção se irão avolumar».

Mas, numa segunda fase, toda a cadeia de fornecimento, garante, «se irá ressentir nas falhas de fornecimento, material e no cumprimento de entregas, sendo essas com consequências imprevisíveis».

Resumindo, «o facto de não estarmos a produzir o volume previsto, repercutir-se-á no volume de exportações, que por sua vez terá um impacto enorme na nossa economia nacional».

Os dados da Associação Automóvel de Portugal não mentem: em janeiro a produção automóvel caiu 30,5% face ao mesmo mês de 2021. No mês de fevereiro caiu 16,5% face ao mês homólogo do ano passado. E nos dois primeiros meses de 2022, constatou-se uma queda de 23,2% face ao igual período do ano anterior. Para Pedro Silva, não há dúvidas: «Se estes são os dados relativos a Portugal, retirem-se as conclusões a nível global». Para o responsável, são valores que revelam «que tanto a venda como a produção de carros continuará a diminuir e, com o agravamento da instabilidade nas cadeias de abastecimento, a falta de semicondutores, chips e matérias-primas, bem como a futura falta de componentes, isto tudo na sequência de uma situação pandémica e no atual cenário de guerra, irão trazer ainda mais desafios ao setor».

Além disso, a OPCO diz saber, a partir de vários clientes na área de manufatura, montagem e transporte em diversos países, «que tem havido especial preocupação pelos colaboradores russos e ucranianos, sabendo que estes colocam a hipótese muito real de abandonarem os seus postos de trabalho para prestarem serviço humanitário, ou mesmo militar, nas suas nações», falta de colaboradores que poderá prejudicar ainda mais a produção automóvel.

E se a produção automóvel é afetada, também a entrega de carro é. «Neste momento há consumidores finais a esperarem até um ano por um carro novo», confessa Pedro Silva. Situação que, aliás, acontece quase desde o início desta crise dos chips. Situação que, defende, resulta dos desafios relacionados com o agravamento da instabilidade nas cadeias de abastecimento, a falta de semicondutores, chips e matérias-primas, a situação pandémica e a guerra, «que vem despoletar novos problemas como a interrupção de cadeias de fornecimento, falta de materiais como, por exemplo, cablagens, bem como a escassez de colaboradores em países de Leste, tudo isto a somar a todas as dificuldades de colaboração entre equipas multidisciplinares de vários países».

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