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Licença para vender: eléctricos chineses chegam à Europa para “arrasar”

A Aiways é o primeiro fabricante chinês de veículos eléctricos autorizado a vender na Europa. Avisa que vem para arrasar preços e começa por aí: propõe um SUV “midsize” por metade do preço dos rivais.

Dia 29 de Novembro, arrancam na China as vendas do Aiways U5, um SUV exclusivamente a bateria que, se já figura no Livro de Recordes do Guinness, perfila-se também para ficar para a história como o primeiro veículo 100% eléctrico de uma marca chinesa a ser comercializado em solo europeu. Isto porque a Aiways, uma startup com menos de três anos sediada em Xangai, obteve da TÜV Rheinland a certificação necessária para que o U5 possa ser vendido em qualquer mercado da União Europeia.

O modelo, que vem para rivalizar com propostas como o Kia e-Niro e o Hyundai Kauai Electric, superou o denominado European Community Whole Vehicle Type Approval (ECWVTA), o que significa que as autoridades competentes consideram que o SUV eléctrico chinês cumpre os devidos requisitos, em matéria de segurança e de ambiente, que lhe permitem ser proposto aos consumidores europeus.

“O plano inicial não era esse”, confessou o vice-presidente de Operações no Exterior e Estratégia de Produto da Aiways. “Mas não podíamos ignorar a enorme oportunidade deste mercado que clama por um SUV eléctrico acessível, livre das restrições dos fabricantes europeus”, disse Alex Klose à Auto Futures.

A razão não terá sido apenas a vontade de responder à procura europeia de modelos a bateria mais baratos. Com as vendas na China a cair, depois dos incentivos governamentais à aquisição de veículos eléctricos terem sido reduzidos este ano, a marca rapidamente gizou uma nova estratégia e apontou à Europa, para procurar compensar fora de portas a queda das vendas no mercado doméstico. Porém, decidiu fazê-lo sem atalhar caminho (literalmente): num misto de marketing e de teste, dois protótipos do U5 ligaram Xangai a Frankfurt. A jornada visou garantir uma entrada triunfal no salão germânico, onde grande parte dos construtores tradicionais não marcaram presença, mas acabaria por se saldar em mais do que isso.

A viagem começou em Xi’an, no dia 17 de Julho, e terminou a 7 de Setembro, em Frankfurt. Foram 53 dias na estrada e 12 países atravessados (China, Cazaquistão, Rússia, Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamarca, Holanda, Bélgica, França, Suíça e Alemanha) para provar a validade da tecnologia eléctrica chinesa. E disso reza uma nova entrada no Livro de Recordes do Guinness, que atesta o facto de os protótipos terem realizado a mais longa viagem “eléctrica” de sempre. Foram 15.022 km, incluindo zonas onde a infra-estrutura de carregamento não abunda – basta pensar no Deserto de Gobi, na estepe cazaque ou nos Montes Urais… Ainda assim, nada deteve os chineses. A ponto de a publicitada deslocação do Mini Cooper SE de Munique até Frankfurt, também para o salão germânico, chegar a parecer uma ‘brincadeira de meninos’ se comparada com esta cruzada épica da Aiways.

Afinal, que SUV é este e quanto vai custar?

Atendendo à actual oferta de veículos eléctricos, o U5 tem como rivais mais próximos os sul-coreanos Hyundai Kauai Electric e Kia e-Niro. Destina-se a disputar, já a partir de Abril, um dos segmentos mais apetecidos do mercado (C-SUV) e pretende fazê-lo por via de preços baixos, mas oferecendo uma boa relação value for money. Desde logo, por ser um pouco maior do que a concorrência: os seus 4680 mm de comprimento superam os 4375 mm do e-Niro e deixam para trás os 4180 mm do Kauai Electric. Para se ter uma ideia, o SUV eléctrico chinês consegue ser maior que um Audi Q5 (4663 mm de comprimento), o que o deixa mais próximo de um modelo de médio porte do que de um compacto. Tem 1880 mm de largura e 1680 mm de altura.

Ao espaço soma-se, inevitavelmente, um dos argumentos mais valorizados no acto da compra: o preço. A Bloomberg avança que o valor-base irá partir de 25.000€, o que significa que o SUV chinês não representa apenas uma séria ameaça aos concorrentes eléctricos, competindo inclusivamente com os adversários convencionais, a gasolina e gasóleo.

De acordo com a Automotive News, o U5 anuncia uma autonomia de 460 km, que podem ser “esticados” até aos 560 km se o cliente optar pelo aluguer de módulos adicionais. A publicação não especifica sob que protocolo de medição foram apurados tais valores, mas no site da empresa o valor que é comunicado é de 503 km, sendo aí claramente assumido que o número foi obtido ainda à luz de uma homologação no desusado ciclo NEDC, o que significaria um alcance real abaixo dos 400 km. Ainda assim, estaríamos a falar de uma autonomia razoável? Sem dúvida: para ser competitivo, bastará ao U5 homologar em WLTP uma autonomia superior a 320 km. Basta ver que o novo Zoe, a chegar por estes dias aos concessionários portugueses, é proposto por 31.990€ e anuncia uma autonomia de aproximadamente 313 km quando equipado com o motor de 110 cv e com a bateria limitada a 41 kWh. E nem sequer estamos a comparar o mesmo tipo de eléctrico, separados pela carroçaria, pelo tamanho, mas também pelo facto de o U5 recorrer a uma bateria de 65kWh de capacidade, com uma densidade de 181 Wh/kg, capaz de ir de 30 a 80% em apenas 27 minutos ou de 0 a 80% em 44 minutos, usando um carregador rápido de 50 kW DC.

No site global, a marca revela que o motor eléctrico de magnetos permanentes passa uma potência máxima de 125 kW (170 cv) às rodas da frente, mas a Autocar, que já teve um primeiro contacto com o SUV chinês na Alemanha, fala em 190 cv. Curiosamente, o binário coincide: 315 Nm.

Face aos dados que são por ora conhecidos, como fica então o U5 num confronto com os seus adversários mais próximos? Num critério exclusivamente de preço versus autonomia, o modelo chinês e os 25.000€ que exigirá para início de conversa prometem destacar-se. A variante puramente eléctrica do Niro cumpre 289 km com a bateria mais pequena (39,2 kWh), mas esta não serve de termo de comparação. Será necessário ponderar o acumulador maior (64 kWh), que certifica 455 km em WLTP. Em Portugal, o importador da Kia prevê para esta versão de 204 cv um preço de 49.500€. Já no caso da Hyundai, o alcance máximo do Kauai Electric é de 449 km, também em WLTP, exigindo contudo o desembolso de 44.500€. Quer num quer noutro caso, quase que daria para comprar dois U5…

Quanto a prestações, a marca não está apostada em obter qualquer recorde em Nürburgring . Os 0 a 100 km/h são alcançados após 9,0 segundos (Kia 7,8 segundos; Hyundai 7,6 segundos) e a velocidade máxima será limitada a 100 km/h, em prol de uma maior autonomia. Isso não será um problema para os europeus? Alex Klose defende que os contra-relógios são uma coisa do passadoe que as mentalidades estão a mudar:

A indústria automóvel sempre se orientou pela velocidade máxima. Julgo que estamos a chegar a um ponto em que isso deixou de ser relevante. Se quiséssemos que o U5 se destacasse pela performance, tê-lo-íamos projectado com esse fim. Mas não é essa a noção que temos para um veículo eléctrico.”

Alex Klose

Dará para confiar neste “Made in China”?

Tudo indica que sim. Não fazê-lo seria, desde logo, questionar a competência das entidades que validaram a comercialização do U5 na Europa. Depois, ao contrário de outras startups com um tempo de vida muito fugaz, a Aiways parece estar prestes não a desaparecer mas sim a aparecer – no sentido de dar nas vistas. E isto porque a companhia já investiu mais de 1,2 milhões de euros numa fábrica no sudeste da China, em Shangrao, na província de Jiangxi.

Outro dos argumentos que pode valer uns “pontos” à Aiways prende-se com o facto de planear um portefólio de produtos abrangente, exclusivamente a bateria. Está previsto que a gama do fabricante venha a ser composta por SUV mais pequenos, um coupé de cinco portas e, inclusivamente, um superdesportivo. O protótipo deste último, denominado Nathalie, foi apresentado em 2018 e visa uma produção de baixo volume. Segundo a marca, a construção recorre a um chassi tubular de aço e o interior conta com uma gaiola de protecção para aumentar a rigidez e torná-lo mais seguro a alta velocidade, em pista. A aceleração de 0 a 100 km/h cumprir-se-á em 2,5 segundos.

Mas, talvez mais importante do que todos estes argumentos, são as pessoas e companhias envolvidas neste projecto assumidamente global. A Aiways foi fundada em 2016 pelo antigo CFO do gigante chinês SAIC, Gu Feng. Tem como responsável de produto um nome bem conhecido entre os fabricantes tradicionais de automóveis, Roland Gumpert, que chegou a estar à frente da Audi Sport, a divisão desportiva da marca dos quatro anéis. Gumpert, entretanto, formou a Apollo Automobile, justamente para dar continuidade à sua paixão por desportivos. Daí que o fabricante chinês faça questão de relembrar a todo o momento que tem em lugares de destaque na empresa antigos quadros com uma forte ligação à Alemanha. Não só da Audi, mas também da Volkswagen. Para se ter uma ideia do melting pot de nacionalidades, até o antigo designer da General Motors na Europa, Ken Okuyama, milita agora pela Aiways.

Por isso, em declarações citadas pela Bloomberg, um dos co-fundadores do construtor asiático assinala: “Ainda que a maioria dos nossos engenheiros seja chinesa, podemos afirmar que somos uma empresa baseada em tecnologia alemã.” A declaração de Fu Qiang não andará longe da verdade, a começar pelo facto de a Aiways recorrer a um chassi em aço e alumínio desenvolvido pela Bosch. No entanto, a companhia germânica não é o único nome sonante com ligações à Aiways, pois também a norte-americana Lear, um dos maiores fornecedores da indústria automóvel, com mais de 160 mil colaboradores por esse mundo fora, está envolvida no U5.

Em “casa”, o SUV chinês vai ser comercializado por valores entre 200 mil e 300 mil yuans, cerca de 25.880€ e 38.800€. Na Europa, a Noruega, a Alemanha e a Holanda são os alvos prioritários da Aiways, embora quadros de topo já tenham avançado que a intenção da empresa é cobrir grande parte do mercado europeu. Para o fazer, serão estabelecidas parcerias locais, lojas pop-up e, claro, um esquema de vendas online. o que significa que a marca prefere garantir uma assistência na estrada ou uma manutenção no local acordado com o cliente, ao invés de depender de oficinas e concessionários próprios. Um pouco à semelhança do que a Tesla faz, sem que isso tenha até agora impedido uma subida de vendas da marca norte-americana…

“Somos os primeiros. Não seremos os únicos”

Em Xangai, um dos co-fundadores da Aiways, Fu Qiang, admitiu que vê vantagens em ser a primeira marca chinesa de veículos eléctricos autorizada a vender na Europa. Porém, ele próprio não deixou de sublinhar que essa vantagem competitiva será de pouca duração, pois há outras marcas chinesas a preparar-se para fazer a sua entrada no Velho Continente.

Os responsáveis da Aiways já conseguiram a homologação do seu novo SUV, que assim pode começar a ser vendido em todos os mercados europeus. A Alemanha será um dos mercados no topo da lista da marca
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Embora as estimativas quanto à adesão à mobilidade eléctrica não estejam a acompanhar as previsões mais optimistas, a maioria dos analistas concorda num ponto: o futuro da electromobilidade será determinado na China, com um número crescente e fabricantes aí sediados a visar os mercados norte-americano e europeu. Sucede que, deste lado do Atlântico, os automóveis chineses têm sido, até agora, motivo de chacota. Seja pela criticável qualidade de materiais e de acabamentos, seja por uma estética em nada consonante com os padrões europeus, seja pelos dramáticos resultados em testes de segurança. Tudo isso contribuiu para uma má imagem dos carros chineses. Fu Qiang reconhece que haverá mais dificuldade em conquistar os europeus por causa de exemplos menos felizes do passado. Mas o co-fundador da Aiways entende que os veículos eléctricos podem vir a seguir o mesmo caminho dos telemóveis, sector onde pouco a pouco as marcas chinesas foram conquistando a confiança dos consumidores na Europa.

Uma coisa é certa: no passado, quando uma marca chinesa apresentava um carro novo, a indústria convencional nem se maçava a perceber se aquela novidade poderia ser uma ameaça. Com o boom de veículos eléctricos deixou de ser assim. Quando fabricantes como a Wey, a Hongqi ou a Byton vão aos salões da especialidade, as marcas convencionais (e a própria imprensa) já param para ver o que pode vir aí. A Geely está na calha, a Byton também. Garantidamente, não serão as únicas e isso pode ser uma vantagem para o comprador, porque ou o preço dos eléctricos propostos pelas marcas tradicionais desce, ou a qualidade dos carros chineses tem de subir para convencer a clientela europeia.

Fonte: Observador

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