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Indústria automóvel perde até “três mil postos de trabalho” até 2021

Presidente da Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel prevê perda de empregos por causa do abrandamento económico europeu. José Couto afirma que o aumento do salário mínimo não terá impacto significativo.

A Europa representa mais de 90% dos destinos de vendas do sector. Mas o crescimento no continente europeu, e em particular da Alemanha, está a abrandar. Até que ponto é que isso vai afetar os fabricantes em Portugal?

Obviamente, vai afetar a produção nacional. Portugal é um caso interessante: tem crescido a uma taxa de 7%/8% nesta área quando a Europa não tem crescido a esse ritmo – no ano passado, foi menos de 1%. Os industriais portugueses têm conseguido crescer mais do que os europeus. Temos aumentado a nossa quota de mercado não só nos nossos clientes mas em toda a Europa. Este ganho de quota nos clientes não se vai perpetuar. O cenário europeu é de queda de produção e embora este ano os industriais portugueses possam manter uma taxa de crescimento. Para o ano, o cenário será de abrandamento mais significativo e a nossa indústria deverá baixar de produção.

Antevê que isso leve ao desaparecimento de algumas empresas e perda de postos de trabalho?

Haverá perda de postos de trabalho. Este ano, mantivemos os nossos 58 mil trabalhadores. A expetativa é que para o ano possa haver diminuição de postos de trabalho. Para os empresários, mandar gente embora é grave porque há um grande investimento na formação – todas as pessoas que trabalham nestas empresas são pessoas com uma boa formação e muito capacitadas. Hoje, ninguém quer prescindir dessas pessoas. Os primeiros postos de trabalho que poderão desaparecer serão os menos qualificados. Haverá sempre um esforço para manter os mais qualificados.

Consegue quantificar o número de despedimentos?

As perspetivas apontam para a perda entre 1000 e 3000 postos de trabalho no próximo ano ou nos dois anos seguintes. Nos próximos cinco ano, antecipa-se um forte abrandamento na Europa. Mas isso não significa que isso vá ter impacto em Portugal. Há muitos projetos que estão a arrancar em Portugal e outros que estão a cair. É deste jogo que teremos o comportamento da indústria.

O cenário da indústria, a nível europeu, é de vagas de despedimentos fortes. A previsão que faz para Portugal está abaixo, de forma proporcional, das perspetivas para a Europa?

Na Europa, a indústria de componentes tem cinco milhões de empregos. É expectável que 10% destas pessoas estejam de saída – ou seja, 500 mil pessoas. Se os nossos clientes caírem – os construtores e os fornecedores de primeira linha – isso terá uma repercussão significativa. Ainda assim, temos apontados os 1500 postos de trabalho perdidos. Numa primeira fase, os trabalhadores menos qualificados poderão sair.

O que Portugal pode fazer para se distinguir e ser mais competitivo do que a concorrência na Europa, China e Marrocos?

Mas Portugal é um país competitivo na indústria automóvel, sobretudo quando cresce 7% enquanto a Europa está a zero. Tem é de ser mais competitivo. Para isso, tem de responder melhor à indústria 4.0 e fazer investimentos nas áreas da automatização, informatização e Internet das Coisas (IoT). Isto é um grande esforço porque a par da manutenção de níveis de competitividade que hoje temos – as 240 empresas enviam no mínimo, em média, dois mil milhões de euros para se manterem competitivas – temos de continuar a ser competitivos. Isso vai significar fazer aumentos de investimentos muito focados na indústria 4.0. Num cenário de abrandamento da economia, isso é um duplo esforço. As empresas de produção de componentes são bem musculadas: não só têm de ser bem geridas financeiramente como ter qualidade dos recursos humanos e na gestão. A indústria automóvel portuguesa está significativamente acima das outras empresas. Está mesmo 20% acima da restante indústria transformadora porque há cuidado em manter a eficiência. As empresas portuguesas estão muito focadas na qualidade mas isso não quer dizer que não possam haver problemas em períodos prolongados.

Mas há grandes desafios que a indústria automóvel portuguesa enfrenta, sobretudo nos custos de exportação e produção de veículos.

O cluster automóvel nacional divide-se entre a produção de componentes e o fabrico de automóveis. Os construtores têm um peso importante e, felizmente, estamos a bater recordes de produção. Mas as empresas de componentes vendem menos do que era expectável para as fábricas de automóveis em Portugal – embora estejam a crescer. Durante muito tempo, continuámos a crescer 7% por ano nos componentes e os construtores não cresciam. Pelo contrário, até baixavam a sua produção. Atualmente, temos os construtores a crescerem – notem-se os exemplos da Autoeuropa e da PSA Mangualde.

Não estamos muito dependentes da Autoeuropa e da PSA Mangualde?

Os fabricantes de peças não estão dependentes dos construtores de automóveis. Os produtores de componentes só vendem cerca de 15% para dentro de Portugal. Estamos é muito dependentes da Europa quando o mercado automóvel é global. Temos de ser competitivos em todos os mercados.

Como vão diversificar os mercados?

Há questões de logísticas. Vendemos para o México, o Brasil e a Argentina mas ainda é pouco porque há custos de logística altíssimos

Como se pode vender mais?

Temos de falar sobre a ferrovia. Para passar os Pirinéus e chegar ao centro da Europa, gastamos muito mais dinheiro do que os concorrentes. Este esforço custa dinheiro às empresas e que os nossos clientes não pagam. Ou temos de ser competitivos ou não somos e perdemos margens. Para fazer os preços que os outros fazem, temos de nos sacrificar mais do que os outros. Não é a competitividade de hoje que nos preocupa; é o futuro. Se não tivermos capacidade de ter preços para chegar ao centro da Europa, onde estão as grandes fábricas de produtores de veículos e de peças, provavelmente teremos um problema de penetração nos mercados. Se daqui a 15 anos não chegarmos a esses mercados, as empresas que estão aqui rapidamente vão deslocalizar-se para locais que permitam preços melhores.

Considerando os problemas com os custos de transportes para o estrangeiro, como se explica que apenas 15% das peças feitas em Portugal fiquem cá? Não faria mais sentido que o grosso da produção fosse para os produtores locais? Não há uma oportunidade de negócio que está a ser perdida?

Uma coisa é terem vontade de vender; outra, é terem vontade que nos comprem.

A outra face da moeda é que os construtores em Portugal importam 85% dos componentes.

Há muita importação e o valor acrescentado que alguns fabricantes nacionais de automóveis cá deixam é bastante baixo. Temos de alterar isso e isso tem sido discutido com o cluster automóvel nacional e o Clube dos Fornecedores, na tentativa de conhecer melhor os produtores locais e promover a sua capacitação.

Porque é os construtores escolhem importar em vez de comprar cá, com menos custos logísticos?

Não será pelo preço – se conseguimos vender para outras fábricas da mesma empresa no centro da Europa, poderíamos vender para cá. Pela qualidade, provavelmente também não porque as peças chegam a qualquer lado do mundo. Quando se constrói a ideia de um carro e se valida a produção, alguém comprou, antes, todos os componentes e participou no seu desenho. Provavelmente, estivemos mal colocados nessa situação. Não temos a capacidade de influenciar os componentes que vão para um automóvel porque não temos um fabricante de peças de primeira linha. Mas 98% dos carros na Europa têm pelo menos uma peça portuguesa.

Boa parte dos modelos automóveis elétricos será elétrica. As empresas portuguesas podem ser muito afetadas por esta abordagem da indústria?

É uma oportunidade e uma ameaça.

Mais uma ameaça ou oportunidade?

Mais uma oportunidade. Os fabricantes de componentes portugueses fazem peças para carros a combustão ou a baterias.

Mas há peças que servem para carros a gasolina e gasóleo e outras que não.

Se estivermos a falar nos motores, sim. Mas os produtores nacionais não têm muita atividade nessa área. Somos bons nos interiores de automóveis, os dispositivos de segurança, a eletrónica e nas peças decorativas. Podemos ter uma oportunidade importante porque estamos a ter uma evolução muito grande e uma resposta do mercado muito boa nas novas componentes de automóveis, utilizando novos materiais, mais leves. Esse trabalho irá resultar para o carro a hidrogénio, elétrico ou outra solução. Temos de estar junto dos decisores.

Ainda temos muita dependência dos carros a combustão?

90% dos carros produzidos ainda usam combustíveis fósseis. Só 10% são híbridos, 5% são elétricos e 3% têm outras energias. É evidente que esta tendência vai cair. Há uma pressão maior para seguir a vontade dos consumidores, que pensam mais quando querem comprar um carro do que há cinco anos e comparam os motores a combustão com as baterias. As cidades têm uma influência enorme na decisão dos consumidores. Do ponto de vista político, também há uma aceleração muito grande da decisão. Na semana passada, as empresas de componentes decidiram, em Bruxelas, que vão fazer um esforço para também andarem muito mais depressa na procura de soluções mais positivas ambientalmente.

Em vez de haver perda de empregos por causa da aceleração da eletrificação da indústria, até poderemos recuperar os empregos que vierem a ser perdidos no próximo ano?

Não é uma aritmética fácil: estamos a desacelerar nuns modelos e estão a aparecer novos modelos. A indústria 4.0, numa primeira fase, pode diminuir o emprego; mais à frente, pode recuperar empregos e até criar novas tarefas. Atualmente, não podemos dizer se vamos ter uma queda importante.

Quão distantes estamos de um cenário de domínio da mobilidade elétrica no parque automóvel?

Na década de 2030, haverá um empate, a nível europeu, entre utilizadores de carros elétricos e de veículos a combustível.

Qual é o peso que o aumento do salário mínimo em 2020 vai ter nesta indústria?

A indústria de componentes tem um rendimento 20% acima da restante indústria transformadora. O [aumento do] salário mínimo, obviamente, tem um efeito direto sobre a distribuição do rendimento sobre as empresas. Os nossos clientes olham para a taxa horária em Portugal e ficam preocupados se damos um salto no salário mínimo e qual é a repercussão no resto dos salários.

Quantos trabalhadores ganham o salário mínimo?

Há menos de 10% dos trabalhadores nesta situação.

Uma subida do salário mínimo é comportável?

Sim mas tem efeitos. Há um efeito de arrasto nos restantes rendimentos. Mas também não podemos dizer que vai haver um aumento brutal do custo da hora de trabalho.

Portugal vai ultrapassar, pela primeira vez, a barreira dos 300 mil automóveis produzidos num só ano. É um recorde repetível ou um efeito extraordinário?

As fábricas que produzem automóveis em Portugal não vão estar sempre em subida. Os modelos no mercado vão começar a decair no ciclo de vida. É preciso que venha outro automóvel e que venha substituir este. Com o restyling de automóveis, talvez tenhamos mais um ano ou dois de crescimento mas não mais do que isso. Bom seria ter outro fabricante a entrar em Portugal.

E há essa perspetiva?

Gostava que houvesse. Há condições para termos outro construtor em Portugal. Isso seria bom para toda a indústria transformadora, mesmo a de componentes. Além de termos um peso de 7,5% sobre o PIB nacional, há ainda entre 2,5% e 3% sobre o resto da indústria. No fundo, o efeito da indústria automóvel sobre a economia do país vai para lá das empresas que estão só ligadas ao automóvel. Temos engenharia, boas empresas, boas localizações, cidades para acolher pessoas. Provavelmente, poderemos construir carros mas há dificuldade em levá-los para o resto da Europa. É o nosso maior obstáculo na captação de empresas para o país.

As novas formas de mobilidade podem vir a ter consequências negativas no setor?

É claro. Os jovens não estão interessados em ter automóveis. Os jovens que vivem no centro das cidades não querem conduzir e, sobretudo, em ter propriedade. A partilha tem demonstrado que há uma diminuição da procura. Este ano, vai haver uma redução do consumo de automóveis. E vai cair mais. Os carros vão ter uma utilização mais intensiva mas vão ser produzidas menos unidades.

A massificação dos veículos autónomos é algo que vamos ver nas próximas décadas ou é um cenário próximo da ficção científica?

Os automóveis já têm um conjunto de dispositivos integrados com inteligência artificial. Sem darmos conta disso, começamos a ter uma evolução que nos permite estar mais confortáveis a conduzir, com mais segurança e os carros a tomarem mais decisões pelo condutor. Temos um cenário em que o automóvel arranca e se vai embora porque lhe demos indicações disso, esse cenário, construído assim vai demorar um pouco mais a ser construído. Mas vamos ter uma escalada de automação e de tomada de decisões pela tecnologia que vai andar muito depressa. Se comprarmos um veículo hoje e o compararmos com o que se passava há cinco anos, o número de soluções tecnológicas é muito superior e mostra o quanto evoluímos.

A alta tecnologia é uma oportunidade para os fabricantes portugueses?

Sim. Em Portugal, temos três centros tecnológicos, de decisão e de construção de soluções para a Europa. Há mesmo duas marcas – a BMW e a Mercedes – em que os automóveis do futuro e as suas soluções de relacionamento com as infraestruturas das cidades foram definidas em Portugal. Há engenheiros nacionais nas equipas e existe uma partilha de conhecimento com as universidades.

Fonte: TSF

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